Muitas pessoas procuraram
os responsáveis por este blog, em busca de informações sobre a história de amor
vivida por Helena Kolody. Em nossas pesquisas, encontramos o texto a seguir,
escrito por Domingos Van Erven, em 22.01.2009, que relata
um pouco dessa passagem tão bonita na vida da poetisa.
“Como já disse alguém, as histórias de amor mais
belas
são aquelas do amor que não se realizou...”
Domingos Van Erven
POEMAS INÉDITOS DE HELENA KOLODY
Durante alguns meses, em 1966, amigas comuns de meu
pai, o escritor Herbert Munhoz van Erven (1908-1985), e de Helena Kolody
(1912-2004), em visitas frequentes a nossa casa, reaproximaram espiritualmente os
dois, pela troca de poemas. Tenho em meu poder alguns deles, escritos por
Helena, que transcreverei mais adiante, por terem permanecido inéditos até
agora. Fazem parte de um livro que ela preparou, “Appassionata”, destinado a
ser póstumo, cujos originais, que cheguei a ver, seriam confiados a seu médico
particular, segundo Helena mesma me disse.
São poemas dedicados a meu pai (referido na
dedicatória pelas iniciais que ele adotava- H.M.v.E.), que foi seu noivo por
dois meses, em 1945, três anos antes dele se unir a minha mãe. Tinha então 37
anos, e ela 33. No ano anterior, meu pai lançara seu livro de maior
repercussão, “Lisímaco”, considerado pelos autores da antologia ”Letras
Paranaenses” como uma das duas melhores biografias já escritas no Paraná (a outra
seria “Emiliano”, de Erasmo Pilotto). Talvez devido àquela repercussão mesma,
Herbert tenha sido convidado à sessão do Centro de Letras do Paraná onde os
dois se conheceram. E desse encontro nasceria o seu curto mas intenso
relacionamento.
Ficaram noivos em 16 de abril, dia do aniversário
dele. Nesse mesmo dia, segundo meu pai, ocorreu o casamento de Olga, irmã de
Helena, com o astrônomo chileno Carlos Muñoz Ferrada, então residente em Curitiba. O
aniversário/noivado foi comemorado na residência dos pais de Herbert, que
moravam pouco acima do Círculo Militar de Curitiba.
O noivado só durou dois meses. Por que acabou?
A explicação está intimamente relacionada à
psicologia de Herbert e seu comportamento boêmio, próprio do meio social que
frequentava, formado por jornalistas, escritores e artistas.
Meu pai tinha uma personalidade muito suscetível e
peculiar. Qualquer observação, feita ao acaso, poderia lhe atingir
profundamente. Uma vez por exemplo o escritor Raul Gomes (mais velho, de uma
geração anterior) fez um comentário que ele não gostou, em que o advertia
(certamente pelo seu comportamento boêmio) sobre os cuidados que deveria ter ao
se relacionar com Helena, “que era uma florzinha”, uma pessoa muito sensível e
delicada. Helena, nessa época, já lançara seu primeiro livro (“Paisagem
Interior”, de 1941) e tinha muitos “donos”, admiradores de sua poesia. Isso
devia conflitar com o amor possessivo e superprotetor de meu pai, que exigia
exclusividade nesse campo... Mas boa parte dos admiradores de Helena era
formada pelas suas alunas e ex-alunas da Escola Normal...
Por outro lado, havia a questão do comportamento
boêmio. Herbert passava muitos dias sem sair de casa, lendo e escrevendo. Mas
quando saía, e se reunia com seus amigos do meio jornalístico e literário
(gente que bebia muito naquele tempo, quando ainda prevalecia um certo espírito
romântico na profissão), era inevitável que se excedesse na bebida, o que
certamente causou problemas no relacionamento do casal.
Assim, em decorrência desses fatores, o casal
resolveu desfazer o noivado. Mas eles permaneceriam bons amigos, inclusive
trocando correspondências sobre assuntos literários.
Apesar da separação, contudo, Helena continuou
amando-o. Segundo ela me disse, ele foi o seu grande (e único) amor...
Na seqüência constam alguns poemas escritos para ele,
aqui divulgados pela primeira vez.
O primeiro deles bem reflete a concepção cristã do
mundo adotada por Helena, e também por meu pai:
LUZ DO AMOR ETERNO
Raio
de luz a transpassar-me,
É
Deus que te ama em meu amor.
E
te ama dum amor tão alto e tão profundo
Que
não quis encerrá-lo
Na
argila perecível deste mundo.
Plasmou-me
em carne, apenas
Para
formar o coração.
E
foi preciso transformar em asas
Os
braços carinhosos.
Mas
no tempo imarcescível
Da
ressurreição,
Nossas
almas,
Duas
centelhas puras, palpitarão unidas
No
mesmo Eterno Amor.
A propósito do poema acima, Helena escreveu: é “lembrança de 9-4-45.
Remembrança também de uma sexta-feira santa, em 45, 30-3”. As datas marcam certamente
eventos importantes para eles, cujo significado todavia desconheço.
O
poema seguinte, escrito em 28-29/03/1966, é réplica a um outro, de meu pai,
composto de várias quadras, em que ele lembra um dos encontros que tiveram,
numa tarde chuvosa e fria, referindo-se aos seus cabelos louros, encrespados, e
à capa azul que ela então usava. No final, afirma que se sublimou em fraterno
aquele amor que sentiu...
CÂNTICO DOS CÂNTICOS
Mar
ignorado sou,
Amado
meu,
Mar
ignorado,
Ilha
intocada.
Meu
amigo, meu irmão:
-
Por que se inquieta o teu coração,
A
arder em zelos?
Guardo
meu lírio para o jardim eterno.
Conservo
minha lâmpada acesa.
-
Como és sábio meu amado,
Como
és culto e inteligente!
Águia
entre os falcões
É
o meu amado entre os homens.
-
Por que se inquieta o teu coração
E
se consome em ciúmes?
Su’alma
beijou a minha
Num
longo olhar de amor.
Gravei
seus olhos em meu coração.
A
eternidade teceu entre nós
Sua
tênue trama de ouro.
Quem
poderá separar
Su’alma
da minha?
Meu
amigo, meu irmão:
-
Por que se inquieta o teu coração?
Meu
amado é como um pinheiro
Na
outra margem do rio.
De
longe lhe envio minhas canções
Banhadas
de lua cheia.
E
meu amor é lua, é pássaro e canção.
-
Por que se inquieta o teu coração?
Os
poemas abaixo são de alguns meses mais tarde:
Quando leio teu nome
bóiam
as letras
nas
minhas lágrimas.
Mendiga,
busco o vestígio de teu olhar
nos
olhos que te fitaram.
Quando
leio teu nome
as
letras cintilam, tremem:
estrelas
boiando em lágrimas.
15.06.66
ILUMINURA
Um “H” em ouro e púrpura.
Iluminura
de sonho
No
missal do coração.
18.06.66
REPUXO ILUMINADO
Em
hastes de cristal,
Irisadas
flores d’água
Crescem
efêmeras
17.07.66
O poema transcrito a seguir foi intitulado “PARA A ‘APPASSIONATA” (o livro destinado a ser póstumo), e está
datado de 19.07.66:
Vivo como se dormisse
A
sonhar contigo
Para
sempre.
O
mundo é um rumor longínquo
De
mar em ressaca
A
quebrar-se nas amuradas
Do
meu castelo sem pontes.
Por fim, guardo ainda cópia do poema seguinte, não datado, mas pertencente à
mesma época, como indica o primeiro verso:
SAUDADE
Há vinte anos não ponho nos teus olhos,
numa
carícia azul, o meu olhar.
Nunca
mais tuas mãos fortes e esguias,
aquecerão
as minhas.
A
saudade, esta aranha tecedeira,
arma,
de novo, o nhanduti do sonho
com
o mesmo fio de outrora.
E
a alma se enreda na trama sutil,
como
se fosse agora.
Fonte:
Disponível em:
http://dvetextos.blogspot.com.br/2009/01/poemas-inditos-de-helena-kolody.html.
Acesso em 11 abr. 2012.